
Gire levemente a chave. Pressione a embreagem. Direcione a alavanca ao seu lado para cima. Isso. Preparado? Cinco, quatro, três, dois, um: agora acelera. Eduque seus pés, este é o segredo. A liberdade está em seus pés.
Essa foi a sensação que tive, quando, pela primeira vez, pude assentar minhas nádegas na poltrona do motorista e protagonizar o comando da máquina de quatro rodas. Mas, não me deixaram ir direto à Saveiro. Tive que primeiro fazer um teste: maldita carreta agrícola. Conquistei o primeiro lugar entre três candidatas à vaga: eu, o barranco e a estrada de chão. Mas passei e parti rumo a um veículo de carne e osso. Dei uma volta de 500 metros. Foi o suficiente para Deus existir em minha vida. Êxtase!Sonho! Desde pequena sou apaixonada por carros, mas ninguém em 19 anos de vida se arriscou a dividir comigo a magia de se dirigir um automóvel.

Bom, depois dessa concepção frustrante, sabem onde desembarquei? Em uma viagem histórica e científica. Imaginem: através de uma crítica a uma invenção, fiz, paradoxalmente, outra descoberta. Diagnostiquei: a ideia da criação dos carros só pode ter surgido na Idade Média, o mais longo período histórico de nossa civilização. Afinal, nesse período havia uma ordem predominante que avassalava a população. A Igreja e os pensamentos religiosos dominavam a cultura local. A vida estava restrita aos procedimentos pré-ensaiados pelas ordens religiosas. Educação, política e sociedade estavam intrincadas e se guiavam pelas placas de comportamento estabelecidas por essa ordem. Uma viagem por um caminho desconhecido onde não se sabia ao certo qual BR seguir. Só se sabia de acordo com o instrutor Santo Augustinho, que o fim da viagem era o céu, e perseguia-se a ideia que esse fim estava muito próximo. Concepções evidentes no filme O nome da Rosa, adaptado do romance com o mesmo título, de Umberto Eco. Confira o trailer:
A ideia da subjugação vem da Idade Média. Desta forma, a ideia do carro também. Bem, para investigar melhor, fui pedir ajuda. Dá um help aí Dr. Google...Bingo: descobri que foi na Idade Média que surgiu a primeira roda com aros. Não me enganei: nesse período surgia sim, tanto a lógica ideológica do dirigir, quanto à lógica do aspecto físico do conjunto da obra.
Bom, agora eu vou fazer uma outra viagem. Só pelo fato de lá ter surgido o princípio da minha felicidade, já gostei. Virei fã número 1 da baixa, da alta e de qualquer estatura da Idade Média. Fico imaginando como seria minha vida se eu vivesse lá. Pra começar eu gostaria de pertencer ao clero, classe dominante que detinham a maior parte das propriedades de terras. Não gostaria nada de ficar doente, porque não tinha médico e acreditava-se que isso era uma consequência de um pecado. Minha vida econômica não será muito diferente que é a de hoje, a base de subsistência. Minha rotina iria ser uma aventura diária, afinal, viveria escambiando para me alimentar e viveria fugindo das guerras e das invasões. O pior inimigo da minha sociedade seriam os bárbaros e não a inflação ou o governo Bush. É verdade que eu não teria muita liberdade de criação de literatura, nem de uma crônica como essa. Na verdade não teria liberdade para nada. Mas as vezes a falta de liberdade nos transporta para outras ruas, cidades, estados sem gastarmos a sola dos nossos sapatos, basta ter simplesmente gasolina.
Agora eu entendo os medievais. Eles eram felizes. Como também serei eu sendo vassala. Navegando entre o inferno e o paraíso, eu andarei, andarei e atropelarei qualquer cruzada que se atravessar na minha história e destruir meu sistema. Faz parte ser escrava. E é maravilhosa a ilusão: o vento no meu rosto afirma que sou livre, mas meus pés, minhas mãos, minha postura, gritam que não. Mas dirigir será minha válvula de escape, a minha, não do meu carro, ok? Encerro essa crônica com uma promessa. Ressuscitarei Dante Alighieri, em Divina Comédia, dizendo, na próxima vez que tiver a oportunidade de dirigir “Deixai toda a esperança, ó vós que entrais”.
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