Uma invenção política
homologada recentemente promete o início da cura da epidemia mais devastadora
da esfera social, a corrupção. A vacina contra essa patologia da esfera pública
do país estará disponível a partir da próxima quarta-feira. O nome da fórmula?A
Lei do Acesso à Informação. O código, 12.527/2012. Reações adversas? As
substâncias e diretrizes que compõe a formulação podem levar à transparência as
ações ministradas no âmbito federal, estadual e municipal da administração
pública. Mas, afinal, quais foram os procedimentos que resultaram na composição
desse remédio legal para as contas públicas e quais as substâncias que
constituem a matéria-prima dessa invenção em prol da cidadania?
Metáforas à parte, a
homologação da Lei do Acesso à Informação Pública é um avanço para a estrutura
democrática da sociedade brasileira. A iniciativa constitucional promove o
acesso de qualquer cidadão a documentos públicos, regulamentando a exposição
das informações produzidas desde o poder Executivo até o poder Legislativo.
Como primeira iniciativa, a lei já insere prazos. Dentro de no máximo seis
meses, cada órgão terá que publicar em sua página na internet informações
completas sobre sua atuação, contratos, licitações, gastos com obras, repasses
ou transferências de recursos. O que em ano eleitoral pode acarretar reflexos
positivos ou negativos para as candidaturas, dependendo é claro do ponto de
vista. Um candidato que não possui seus documentos em dia irá acabar sucumbindo
e entregando sua desonestidade aos olhos da liberdade de informação.
Os documentos que serão
disponibilizados para a população devem seguir uma regra básica: devem estar
escritos de forma clara a partir de uma linguagem simples e direta com apoio de
ferramentas de busca e pesquisa. Com essa iniciativa os órgãos do governo
esperam aprimorar a qualidade dos gastos públicos, além de fortalecer os laços
da democracia e da cidadania em um país ainda prematuro nessa cultura da transparência.
Para a execução da lei vai ser fundamental o uso das tecnologias,
essencialmente de ferramentas como a internet e outros recursos digitais.
Mas não é
somente através de suplementos superficiais que o medicamento terá efeitos
positivos sobre a saúde política brasileira. A lei vai mais a fundo. Em uma de
suas premissas vigora que as violações aos direitos humanos não podem
permanecer eternamente em sigilo. O prazo máximo para a publicação de
documentos ultrassecretos é de 25 anos. O tempo até que é generoso demais,
contudo, ao menos nesse contexto ressurge a esperança de ressuscitar e punir
crimes adormecidos na história, repressões políticas que morreram entre os anos
70 e 80 do século passado. Para o Assessor Regional de Informação e Comunicação
da Unesco, para o Cone Sul, Guilherme Canela, a abrangência da LAI atinge fatos
históricos fundamentais para o conhecimento da população, “Uma das dimensões
particulares da lei é garantir o direito à memória e à verdade. O cidadão tem o
direito de saber o que ocorreu no passado, obtendo informações sobre guerras,
decisões diplomáticas ou regimes de exceção. O direito à verdade e à memória é
fundamental para que a democracia possa se fortalecer e consolidar”.
Quando
se menciona
administração pública vem logo à mente, o Palácio do Planalto, o
Piratini ou a Prefeitura do município. Segmentos à margem dessa política direta
são deixados de lado. Mas, nesse caso, eles estão sendo os primeiros a assumir
providências. É o caso do Ministério da Defesa. O grupo
está a postos marchando rumo à adaptação imediata a nova lei. Desde a aprovação
da mesma foram criados grupos de trabalho para conscientizar os funcionários da
importância da transparência. Entre as medidas que serão aplicadas é que cada
unidade das Forças Armadas no território nacional reserve um espaço para
atender às solicitações dos cidadãos por informações.
Apesar dos vários
fatores que especificam a Lei do Acesso à Informação de maneira funcional, essa
legislação deve ser encarada de forma mais ampla e cognitiva. Mais do que fornecer
e solidificar a democracia no Brasil a Lei trás a oportunidade de mudança
cultural dos ideais políticos e sociais. Na Inglaterra, por exemplo, os
cidadãos já fizeram uso de leis semelhantes para saber quais eram os hospitais
com maior índice de mortes por problemas cardíacos. No Chile, para saber quais
regiões do país tinham melhor cobertura de celular. Na Índia, para combater a
corrupção. Dessa forma, “É importante ter em mente que a nova legislação muda a
cultura da administração pública como um todo”, lembra Izabela Correia,
coordenadora de Promoção da Ética, Transparência e Integridade da
Controladoria-Geral da União (CGU).
Por outro lado os
céticos ainda temem pela deficiente execução da lei. Um dos motivos consiste na
demora na edição do decreto 12.527/2012, um fato que pode trazer o descrédito
para a regulamentação e trazer dúvidas e confusão no momento de adoção da
mesma. Na verdade, a sanção da lei ocorreu no ano passado, a cerca de seis
meses, mas somente, agora foi homologada pela presidenta Dilma Rousseff. Há
dúvidas, também, em relação à identificação do cidadão na hora do registro do
pedido. A lei fala apenas em “identificação do requerente”, mas não se sabe ao
certo se a pessoa terá que apresentar ou não documento e, caso sim, qual. E
além do mais, a própria elaboração do pedido ainda não está totalmente
equacionada, já que não há um site em que o cidadão possa fazê-lo. Até lá, as
pessoas terão de encontrar e-mails, telefone ou endereço dos órgãos. Neste
último caso, é preciso comparecer ao chamado Serviço de Informação ao Cidadão
(SIC) e fazer a pergunta no balcão.
Apesar dessas lacunas
é inquestionável a importância da aplicação da Lei de Acesso à Informação. O
decreto representa metaforicamente a abertura da caixa-preta do sistema público
brasileiro, além de alimentar e efetivar o direito fundamental de acesso à
informação garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal. Todos os órgãos
governamentais terão que se vacinar. Será o prenúncio do tratamento da
enfermidade que assola o território brasileiro desde os tempos do Império? Um
prognóstico de cura emerge a partir do dia 16 de maio. Talvez um milagre
aconteça e o sistema público saia do coma induzido pelos aparelhos da máquina
da corrupção.
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