terça-feira, 29 de maio de 2012

A lei que chega, chegando


Uma invenção política homologada recentemente promete o início da cura da epidemia mais devastadora da esfera social, a corrupção. A vacina contra essa patologia da esfera pública do país estará disponível a partir da próxima quarta-feira. O nome da fórmula?A Lei do Acesso à Informação. O código, 12.527/2012. Reações adversas? As substâncias e diretrizes que compõe a formulação podem levar à transparência as ações ministradas no âmbito federal, estadual e municipal da administração pública. Mas, afinal, quais foram os procedimentos que resultaram na composição desse remédio legal para as contas públicas e quais as substâncias que constituem a matéria-prima dessa invenção em prol da cidadania?

Metáforas à parte, a homologação da Lei do Acesso à Informação Pública é um avanço para a estrutura democrática da sociedade brasileira. A iniciativa constitucional promove o acesso de qualquer cidadão a documentos públicos, regulamentando a exposição das informações produzidas desde o poder Executivo até o poder Legislativo. Como primeira iniciativa, a lei já insere prazos. Dentro de no máximo seis meses, cada órgão terá que publicar em sua página na internet informações completas sobre sua atuação, contratos, licitações, gastos com obras, repasses ou transferências de recursos. O que em ano eleitoral pode acarretar reflexos positivos ou negativos para as candidaturas, dependendo é claro do ponto de vista. Um candidato que não possui seus documentos em dia irá acabar sucumbindo e entregando sua desonestidade aos olhos da liberdade de informação.

Os documentos que serão disponibilizados para a população devem seguir uma regra básica: devem estar escritos de forma clara a partir de uma linguagem simples e direta com apoio de ferramentas de busca e pesquisa. Com essa iniciativa os órgãos do governo esperam aprimorar a qualidade dos gastos públicos, além de fortalecer os laços da democracia e da cidadania em um país ainda prematuro nessa cultura da transparência. Para a execução da lei vai ser fundamental o uso das tecnologias, essencialmente de ferramentas como a internet e outros recursos digitais.
Mas não é somente através de suplementos superficiais que o medicamento terá efeitos positivos sobre a saúde política brasileira. A lei vai mais a fundo. Em uma de suas premissas vigora que as violações aos direitos humanos não podem permanecer eternamente em sigilo. O prazo máximo para a publicação de documentos ultrassecretos é de 25 anos. O tempo até que é generoso demais, contudo, ao menos nesse contexto ressurge a esperança de ressuscitar e punir crimes adormecidos na história, repressões políticas que morreram entre os anos 70 e 80 do século passado. Para o Assessor Regional de Informação e Comunicação da Unesco, para o Cone Sul, Guilherme Canela, a abrangência da LAI atinge fatos históricos fundamentais para o conhecimento da população, “Uma das dimensões particulares da lei é garantir o direito à memória e à verdade. O cidadão tem o direito de saber o que ocorreu no passado, obtendo informações sobre guerras, decisões diplomáticas ou regimes de exceção. O direito à verdade e à memória é fundamental para que a democracia possa se fortalecer e consolidar”.
Quando se menciona administração pública vem logo à mente, o Palácio do Planalto, o Piratini ou a Prefeitura do município. Segmentos à margem dessa política direta são deixados de lado. Mas, nesse caso, eles estão sendo os primeiros a assumir providências. É o caso do Ministério da Defesa. O grupo está a postos marchando rumo à adaptação imediata a nova lei. Desde a aprovação da mesma foram criados grupos de trabalho para conscientizar os funcionários da importância da transparência. Entre as medidas que serão aplicadas é que cada unidade das Forças Armadas no território nacional reserve um espaço para atender às solicitações dos cidadãos por informações.
Apesar dos vários fatores que especificam a Lei do Acesso à Informação de maneira funcional, essa legislação deve ser encarada de forma mais ampla e cognitiva. Mais do que fornecer e solidificar a democracia no Brasil a Lei trás a oportunidade de mudança cultural dos ideais políticos e sociais. Na Inglaterra, por exemplo, os cidadãos já fizeram uso de leis semelhantes para saber quais eram os hospitais com maior índice de mortes por problemas cardíacos. No Chile, para saber quais regiões do país tinham melhor cobertura de celular. Na Índia, para combater a corrupção. Dessa forma, “É importante ter em mente que a nova legislação muda a cultura da administração pública como um todo”, lembra Izabela Correia, coordenadora de Promoção da Ética, Transparência e Integridade da Controladoria-Geral da União (CGU).
Por outro lado os céticos ainda temem pela deficiente execução da lei. Um dos motivos consiste na demora na edição do decreto 12.527/2012, um fato que pode trazer o descrédito para a regulamentação e trazer dúvidas e confusão no momento de adoção da mesma. Na verdade, a sanção da lei ocorreu no ano passado, a cerca de seis meses, mas somente, agora foi homologada pela presidenta Dilma Rousseff. Há dúvidas, também, em relação à identificação do cidadão na hora do registro do pedido. A lei fala apenas em “identificação do requerente”, mas não se sabe ao certo se a pessoa terá que apresentar ou não documento e, caso sim, qual. E além do mais, a própria elaboração do pedido ainda não está totalmente equacionada, já que não há um site em que o cidadão possa fazê-lo. Até lá, as pessoas terão de encontrar e-mails, telefone ou endereço dos órgãos. Neste último caso, é preciso comparecer ao chamado Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) e fazer a pergunta no balcão.
Apesar dessas lacunas é inquestionável a importância da aplicação da Lei de Acesso à Informação. O decreto representa metaforicamente a abertura da caixa-preta do sistema público brasileiro, além de alimentar e efetivar o direito fundamental de acesso à informação garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal. Todos os órgãos governamentais terão que se vacinar. Será o prenúncio do tratamento da enfermidade que assola o território brasileiro desde os tempos do Império? Um prognóstico de cura emerge a partir do dia 16 de maio. Talvez um milagre aconteça e o sistema público saia do coma induzido pelos aparelhos da máquina da corrupção. 

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