sábado, 14 de julho de 2012

Caio Fernando Abreu é uma febre

Quase duas décadas após sua morte, Caio Fernando Abreu ressurge com força total e é um dos mais citados nas redes sociais. Como esta popularidade pode estar relacionada à sua obra? E como ele reagiria a este fenômeno?

Eduardo Bueno escreveu: “Jack Kerouac morreu alcoólatra, barrigudo, reacionário e odiando cada cabeludo americano”. Mas o que isso tem a ver com Caio Fernando Abreu? Talvez nada. Talvez muito. Já não temos como saber. O que permite a relação entre o destino destes dois autores é a forma como suas obras acabaram tomando proporções que eles jamais imaginariam. Kerouac viu o nascimento de uma nova cultura a partir de sua obra máxima. On The Road é repetidamente citado como a bíblia hippie, Kerouac escreveu o manifesto de um movimento que, ao final de sua vida, admitiu detestar. Caio Fernando Abreu não está aqui para ver o que foi feito de sua obra, e talvez isso lhe seja até saudável.

“Caio Fernando Abreu foi um jornalista, dramaturgo, escritor e fenômeno da cultura pop brasileira”. Se a Wikipédia existir no ano de 2050, esta frase deverá abrir o verbete sobre Caio Fernando Abreu. Não seria exagero. Antes da popularização das redes sociais, Caio Fernando Abreu era lembrado em “segundos cadernos” e especiais de TV em datas importantes da vida do autor. Hoje é uma febre. Caio é o guru das relações contemporâneas. É o guia de uma gama surpreendente de tipos de personalidade. Caio motiva desde adolescentes na puberdade até cinquentonas com crises no casamento. Hoje um conflito existencial latente aponta para um perfil no Facebook com frases entre aspas rubricadas com a sigla CFA. E se quiser postar uma frasezinha do autor, não precisa nem procurar muito, dá pra seguir uma das inúmeras fanpages que postam frases do autor diariamente, e compartilhar as mais "pertinentes" Dois exemplos são Caio Fernando Abreu - Frases ou os Conselhos de Caio Fernando Abreu.

Mas que motivos Caio teria para não estar orgulhoso por toda essa legião de seguidores que adotou suas frases para encarar com mais disposição os problemas da vida? Infelizmente, o escritor nos deixou em 1996, aos 48 anos vítima de uma pneumonia aguda decorrente do vírus do HIV. Nem por isso vamos deixar de especular sobre a possível reação do autor à sua estrondosa popularidade póstuma. 

Não há nada de anormal em fazer referências a autores que gostamos nas redes sociais. As pessoas encontraram na rede um canal para expressarem seu repertório cultural e sua personalidade. Porém, alguns autores como Caio Fernando Abreu, Clarisse Lispector e Martha Medeiros, passaram pipocar vertiginosamente nos tweets e timelines Brasil à fora. A verdade é que neste hábito de compartilhar trechos de obras famosas entre os amigos, as pessoas entram em contato com a literatura de uma forma fácil. É comum ver pessoas dizendo que gostam destes autores sendo que só tiveram contato com estes fragmentos compartilhados pela rede.

O ponto que gera o estranhamento nessa situação está relacionado ao teor real da obra de Caio F. Abreu. Há um problema em consumir a literatura de forma tão fragmentada. É muito cômodo consumir os trechos mais doces do profundo existencialismo de Caio Fernando Abreu quando se procura ânimo para levantar no dia seguinte. As pessoas esquecem (e desconhecem) que uma enorme parte da obra do autor é recheada de sombras, pessimismo e personagens marginais. Os morangos de Caio estão mofados, o recurso estético está ali para mostrar o que há de podre e desesperançoso no imaginário de uma geração que perde seus ideais.
Por outro lado, a própria obra de Caio Fernando Abreu fala sobre o problema fragmentação. O autor é referido como “fotógrafo da fragmentação contemporânea”. Caio entende sobre miudezas cotidianas e fluxos de pensamento, como se colocasse de forma lírica e poética os duros conceitos acadêmicos sobre formações de identidade fragmentada nessa era de modernidade líquida. 

Não é possível afirmar se a reação de Caio a esta popularidade. A questão de estar sendo lido aos pedaços certamente representa um aspecto negativo, do ponto de vista da literatura. Mas que ótimo ver que um autor do talento de Caio Fernando Abreu esteja fazendo um sucesso tão grande. A fragmentação é um elemento presente na obra de Caio, ele entendia, também, disso. No fim das contas, o mais provável é que esta meteórica popularidade fragmentada não causasse grande surpresa a Caio F. Abreu, que conseguiu, como poucos, entender o homem com razão e paixão simultânea e inseparávelmente.

Um comentário:

  1. Muito legal João Pedro.
    Eu sou presidente da Associação Amigos do Caio Fernando Abreu - AACF
    www.associacaocaiof.blogspot.com e responsável pela criação e manutenção do Site Oficial www.caiofernandoabreu.com
    50% das pessoas que escrevem pro Site não sabem que o Caio morreu em 1996. Precisamos mostrar para esses jovens quem é o Caio, qual é a sua história, e porque ele está cada dias mais vivo!

    Grande abraço!

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