sábado, 21 de julho de 2012

Uma senhora que achava que era roubada


Caros leitores, cheguei a duas conclusões que preciso democratizar com vocês. A primeira delas é que o nosso destino não é linear, é paradoxal. Comprovei isto alguns dias atrás em que descobri um presente embrulhado em uma injustiça. Havia me instalado em uma pensão de uma senhora de idade avançada, onde aparentemente, a “sanidade” reinava. Não era meu objetivo morar em um hospício construído às custas dos valores capitalistas. Mas, todos somos escravos de forças que ninguém sabe a procedência, contudo crê, instantaneamente porque buscamos preencher o vazio que o mistério sobre nossa verdadeira gênese neste mundo promulgou. Quando alguém morre, por exemplo, a gente insiste em acreditar que o motivo de todo aquele sofrimento é que afinal, já tinha chegado a hora dela; ou quando uma pessoa extremamente de mal com a vida, sofre um acidente e fica tetraplégico, e de uma hora para outra, começa a visualizar o verdadeiro valor da vida: tava escrito ele tinha que passar por isso para aprender a viver melhor. 

Assim, lá fui eu de mala e “livros”, coabitar com a idosa e mal sabia que iria viver uma situação premeditada- sim, porque também acredito que nada acontece por acaso...- que serviria depois de tema para um trabalho na faculdade. Nos primeiros dias de convivência, adotei aquela senhora como uma avó que nunca pude paparicar, por sempre me encontrei longe das minhas progenitoras de primeira geração. Ela era meio esquecida das coisas e as demais pensionistas me alertavam para o seu jeito um tanto mal educado e extremamente econômico. No entanto, não via-a desta forma e respeitava suas conversas repetidas e as vezes um tanto inverossímeis. Imaginava a vida peculiar desta senhora que literalmente ficou para titia. Nunca casou nem teve filhos, sobrevivendo independentemente e construindo sua herança com trabalho árduo e dedicação. Mas uma coisa eu pude perceber desde a primeira troca de olhar entre nós: sua obsessiva desconfiança. Vejam que cômico: todo o seu dinheiro ela guardava em uma bolsinha que pendurava em seu pescoço como se fosse um colar (cá entre nós, a sua jóia). Alertava-me que uma vizinha-sua irmã-entrava dentro de casa e roubava suas coisas.

Para seu esquecimento diário construía álibes: ladrãos. A princípio eu até acreditava, mas depois observei que não passava de delírios. Delírios de uma mulher que a vida toda foi vítima de exploração, convivendo com pessoas mal-intencionadas que se aproveitavam de sua solidão para lhe extrair seus ganhos, entre eles sobrinhos que a visitam até hoje para diagnosticar seu estado de saúde e sonhar com a possível tomada de seus bens. Dizia com a boca “E aí vovó tudo em cima?”; mas dentro de seu cérebro sujo inqueria “Quantos anos a senhora ainda vai durar, preciso começar a fazer meus planos”. No atual sistema social todos os valores são etiquetados, as relações entre as pessoas assemelham-se a um empreendimento empresarial-objetivas e interesseiras.

Assim, passei a aceitar que a doença daquela senhora seria a doença do século, e todos nós na velhice teríamos os mesmos sintomas que ela. Desculpem-me: cometi um engano. Não será preciso esperar tanto tempo para isso acontecer. Comparem: certa vez a idosa perdeu o seu dinheiro e não havia santo que encontrasse. Ela passava a então insinuar “tem ladrão nesta casa”. Mas, adivinhem só onde estava a grana: dentro de suas “ceroulas”. Hora, deputados e empresários, que por sinal estão longe de se aposentarem já fazem isso há muito tempo não é mesmo?...Mas tinha chegado a minha hora de sentir na pele sua patologia capitalista. Certo dia ao chegar em casa depois da aula fui surpreendida. Repentinamente ela me colocava porta afora, acusando-me de roubar uma calça e um casaco seu (só se era para por em um museu, pensei eu, rancorosa). Além disso, a senhora achava que havia sumido R$70.000,00! Hora, fiquei atônita; perdi o chão. Reivindiquei por justificativas; afirmei minha inocência, mas ela estava já de cabeça feita. Saí de lá extremamente preocupada. Estava sem teto, é verdade; mas, sobretudo porque cheguei a uma surreal segunda (lembram?) conclusão: na verdade, não são os loucos que vão para o hospício; é o hospício que produz os loucos. E este hospício se chama sociedade moderna.

De uma maneira nada convencional, o filme Clube da Luta, ilustra essa sociedade capitalizada, alimentada pelo niilismo, pela crise de identidades, ausência de valores, mas que ao mesmo tempo integra uma variedade de possibilidades. O título nos remete à violência, mas ao contrário, Clube da Luta é um filme sobre ideologia, com uma crítica bem ácida sobre a sociedade moderna. Confira o trailer abaixo:

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